Montgomery Clift: Um lugar ao sol, um lugar nas trevas Artigo retirado do site www.c7nema.net Respeita o nosso trabalho

12/1/2012

Era o génio torturado a quem chamavam “Monty” e a quem Elizabeth Taylor salvou a vida, após um desastre de automóvel que lhe deixou o rosto desfigurado. Montgomery Clift nunca mais foi o mesmo.

Até no seu último filme, The Defector, de 1966, e apesar de diversas nomeações para o Óscar, ainda tentava provar que conseguia ser ator. Nasceu em 1920, morreu em 1966 e deixou 18 filmes. Teve uma carreira curta mas brilhante. Há 50 anos, foi o primeiro ator a interpretar Freud no cinema. E também protagonizou, na vida real, “o mais longo suicídio da história de Hollywood”.

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A aprendizagem de Edward Montgomery Clift desenrolou-se no meio teatral nova-iorquino, ao longo de 10 anos. Tinha apenas 12, quando se estreou na Broadway e o seu talento foi imediatamente reconhecido. Aos 30 anos, era a estrela de Hollywood mais cobiçada. Deixou a sua marca em A Place in the Sun, The MisfitsSuddenlyLast SummerRed River From Here to Eternity. Nos seus melhores papéis, interpreta homens inconformados e solitários que, no meio de uma violenta crise, se tentam compreender a si mesmos e ao mundo. O seu trabalho foi tão inovador e genial, que não destoaria se o imaginássemos a representar num filme recente.

Tragicamente, a sua vida ficou literalmente partida em dois no dia 12 de maio de 1956, depois de uma pequena festa em sua honra, na casa de Elizabeth Taylor, nas colinas de Coldwater Canyon. Monty, no auge do seu talento, desafiara o studio system e vencera, recusando-se a ser catalogado como herói romântico. As suas escolhas de papéis fugiam a esse estereótipo e fora já nomeado para três Óscares.

Participava agora em Raintree County, com Taylor, um épico sobre os tempos da Guerra Civil. A Place in the Sun, que protagonizara com Elizabeth Taylor, era já o filme emblemático dos anos 50 e ambos procuravam repetir o sucesso.

Apesar da presença de Rock Hudson e do ator Kevin McCarthy, a festa não estava animada. Clift dizia-se exausto e recusava-se a beber. Às 23:30, disse que se ia embora, saindo na companhia de McCarthy, que lhe ia indicar o caminho de carro até Sunset Boulevard. O ator brincou antes de sair, dizendo que McCarthy o teria de ajudar a descer a montanha ou acabaria a guiar em círculos a noite inteira. Assim, ambos saíram e Monty entrou no seu carro, seguindo McCarthy pela estrada serpenteante e íngreme que circundava a colina. 20 minutos depois, Kevin McCarthy batia furiosamente na porta de Elizabeth Taylor e gritava, “o Monty teve um acidente. Acho que morreu!”
 
Quando Elizabeth, acompanhada por várias pessoas, chegou ao sopé da colina, viu o carro de Clift esmagado contra um poste telefónico. Viam-se vidros partidos e sangue por toda a parte. Taylor entrou pelo vidro traseiro e aconchegou a cabeça de Clift no seu colo. O corpo do ator, com a violência do impacto, tinha-se enfiado debaixo do tablier. O seu rosto era agora uma massa sangrenta e irreconhecível. Tinha o nariz partido, o queixo esmagado, as faces laceradas e o lábio superior completamente aberto ao meio. Estava vivo e viveria mais 10 anos, mas a sua verdadeira morte aconteceu nesse momento, enquanto tinha a cabeça deitada no colo da atriz que era também a sua maior amiga.
 
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The Big Lift 

Elizabeth Taylor disse uma vez, “sou a Mãe Coragem. Passei por tudo”. Um dos momentos mais aflitivos ocorreu certamente nessa noite, quando Clift lhe fez sinal na direção do pescoço. Taylor puxou então os dois dentes da frente do ator, que se tinham alojado na garganta, impedindo que este sufocasse. A ambulância só chegou uma hora depois. Rock Hudson foi quem tirou o seu corpo do carro e, ajudado por Taylor e por outros participantes na festa, impediu que os fotógrafos captassem imagens de Clift após o acidente. Taylor estava histérica e gritou-lhes com tanta firmeza que estes obedeceram. Sobreviveram apenas fotos do automóvel, esmagado como um acordeão contra o poste.

Belos e famosos


Clift nasceu em Omaha, no Nebraska. Teve uma irmã gémea e um irmão. A mãe, sendo filha ilegítima, julgava descender de uma linhagem sulista que incluía figuras próximas dos presidentes Lincoln e Andrew Jackson. Embora nunca tenha sido aceite pelos seus supostos parentes, os filhos foram educados como aristocratas, recebendo lições particulares nos Estados Unidos e na Europa. Ainda que Monty não se adaptasse às mudanças contínuas e ao estilo de ensino, tornou-se fluente em francês, alemão e italiano. A família mudar-se-ia mais tarde para Nova Iorque, até que o pequeno Clift se estreou na Broadway.

Filmado em 1946, Red River, de Howard Hawks, foi a sua estreia no grande ecrã, contracenando com John Wayne. Devido a problemas relacionados com a produção, o filme só é lançado dois anos depois e, entretanto, Clift filma The Search, sob a direção de Fred Zinnemann. Exigente quanto à qualidade do script, acabou por reescrever a maior parte dele, mas os autores do guião original foram nomeados para o Óscar, sem que Clift obtivesse crédito. Ainda assim, foi nomeado para Melhor Ator.
 
O seu terceiro filme, que lhe desagradou profundamente, foi The Heiress, onde se desentendeu com Olivia De Havilland e a maioria da equipa técnica. Seguiu-se The Big Lift, um fracasso de bilheteira, embora a sua atuação fosse aclamada pela crítica. No final dos anos 40, Clift era publicitado pelos estúdios como o novo galã do cinema, isto apesar da homossexualidade que o ator escondia e da qual se envergonhava – uma repressão que lhe causaria perturbações durante toda a vida. “Não quero ser rotulado de maricas nem de heterossexual. Os rótulos limitam-nos. Somos o que fazemos, não o que dizemos que somos”, comentaria.
No início dos anos 50, rivalizava seriamente com Marlon Brando, dois atores com um físico atraente que eram, em simultâneo, talentosos e promissores. É então que Clift protagoniza um dos seus melhores papéis, o de “George Eastman” em A Place in the Sun, ao lado de Elizabeth Taylor – duas grandes estrelas de Hollywood que prometiam causar sensação. O seu desempenho foi realçado como um dos grandes exemplos do Método e até o rival Brando votou nele para Melhor Ator nos Óscares desse ano. O filme garantiu-lhe nova nomeação, tornou-o num ícone cinematográfico e o par Clift/Taylor tornou-se na sensação do ano, sendo ainda hoje recordado.
 
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A Place in the Sun 

Dedicação


O filme seguinte de Monty seria I Confess de Hitchcock, realizador que não apreciava atores do Método, e Clift não foi exceção, isto apesar de ter habitado numa igreja durante algum tempo e de ter estudado o comportamento dos padres católicos, dando início a uma prática que se tornaria comum entre muitos atores que se seguiram. O filme não foi um sucesso devido ao envolvimento romântico de um padre com a coprotagonista.

From Here to Eternity foi, pelo contrário, um grande sucesso, tendo Clift sido novamente nomeado para Melhor Ator. Voltou a perder. Por esta altura, era já um outsider em Hollywood, recusando-se a divulgar a vida privada, evitando festas, estreias e entrevistas e vivendo fora de Los Angeles. Seguiu-se Stazione Termini, de Vittorio De Sica, no qual a sua interpretação foi mais uma vez exaltada pela crítica, embora o filme sofresse de um guião débil.
 
No filme seguinte, Raintree County, iria contracenar novamente com Liz Taylor e foi quando sucedeu o fatídico acidente.

Clift regressou às filmagens depois de nove semanas de recuperação. O filme não foi um sucesso artístico como ele e Taylor já previam. “As pessoas só vão assistir para verem como eu era antes e como fiquei”, comentou o ator, e com razão. Foi um sucesso de bilheteira. É então que começa a queda. Em profunda depressão, e com danos nos nervos da face, Clift surge em cenas subsequentes, com “o rosto antigo” e o “rosto novo”, devido à montagem.
 
 Tal como na letra da canção dos R.E.M: «Monty Got a Raw Deal»: “Now, here’s a rhyme that you can steal/Put this on your reel to reel/Mischief threw a rotten deal/Monty’s laying low, man/He is laying low…” O sofrimento causado pelo desastre fez com que Clift, que já não era estranho ao álcool e aos comprimidos, começasse a depender cada vez mais deles.

O meu reino por um Óscar…


Sabendo o estado em que Clift se encontrava, Marlon Brando foi a sua casa. Como não eram amigos nem conhecidos, o ator estranhou, mas deixou entrar o seu grande rival. Brando sentou-se, olhou-o fixamente e disse-lhe: “O que estás a fazer a ti mesmo? Se continuas por este caminho, deixo de ter com quem competir.” Foi um Clift comovido que se despediu de Brando à porta.

Os seus filmes seguintes foram LonelyheartsThe Young Lions, onde contracenou com Brando, e Suddenly, Last Summer, com “Bessie Mae”, como carinhosamente chamava a Elizabeth Taylor, que o defendia incondicionalmente junto de produtores e realizadores. Contudo, Monty nem sempre era fiável, o seu comportamento tornou-se errático, mas Liz dirigia-se deste modo a quem tentava excluir Clift do projeto: “Só por cima do meu cadáver.” 
 
Contracenou com Lee Remick em Wild River, de Elia Kazan, em 1960 e, no ano seguinte, é nomeado para o Óscar novamente, desta vez na categoria de Ator Secundário, no papel de uma vítima do nazismo, intervenção que dura apenas cerca de 12 minutos em Judgment at Nuremberg. Terrivelmente inseguro e sem conseguir decorar as falas, Clift foi aconselhado pelo realizador Stanley Kramer a improvisar, o que deu origem a um grande momento do ator e à melhor cena do filme.
 
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Wild River 

Em 1962, contracena com Clark Gable e Marilyn Monroe em The Misfits, de John Huston, naquele que foi o último filme de Gable e Monroe. Ficou famosa a frase de Marilyn sobre o ator: “A única pessoa que conheço que está mais ‘fucked up’ do que eu.” No mesmo ano e novamente sob a direção de Huston, interpreta Sigmund Freud, numa produção repleta de complicações, uma das quais, o estado físico e mental de Monty Clift, que não se recordava das deixas e era o bombo da festa do sádico Huston, conhecido por vitimizar determinada pessoa durante as filmagens de cada projeto. 
 
Quando Clift soube que sofria de cataratas, provocou o comentário do realizador: “Não me digam que agora vamos precisar de um cão-guia”, o que suscitou a revolta de uma das atrizes, Susannah York. Durante a filmagem da cena do sonho, Huston obrigou Clift a subir por uma corda, desnecessariamente, durante 10 takes, no fim dos quais, o ator tinha as mãos ensanguentadas. Quando reapareceu com ligaduras, Huston gritou-lhe, “não me digam que fui eu que te fiz isso… filho da mãe!”
 
Temendo ficar cego, Clift ansiava pela operação de remoção das cataratas, que teve lugar em dezembro de 1962. A intervenção correu bem, embora tivesse perdido a visão periférica e passasse a usar óculos muito graduados. Os problemas de Freud e a publicidade gerada acabaram por torná-lo num ator difícil de contratar. Seguiram-se quatro anos à deriva. Monty nunca perdeu o contacto com Elizabeth Taylor, que planeava contracenar com ele num filme que o trouxesse de novo à ribalta. Seria Reflections in a Golden Eye. (Tal não aconteceu devido à morte do ator e, curiosamente, foi Marlon Brando que o substituiu.) Monty detestava o marido de Elizabeth, Richard Burton, o que era mútuo, dizendo que este era mau ator e apenas declamava. Burton ter-lhe-á dito que sentia ciúmes dele: “A Liz gosta de mim, mas é a ti que ela ama.
 
Entretanto, surgiu um outro projeto, o medíocre The Defector, de Raoul Lévy, que passou as filmagens a assediar as atrizes, sem sucesso, e, terminado o seu trabalho, se suicidou em frente à casa da ex-mulher. O filme, no qual Clift recusou qualquer duplo, funciona mais como um documentário sobre o seu estado. Extremamente magro e macilento, de dedos alaranjados devido à nicotina, parece dar tudo por tudo por demonstrar que ainda sabe atuar, embora o guião e os diálogos não lhe favoreçam o desempenho. Era essa a sua intenção, provar que poderia contracenar mais uma vez com a amiga “Bessie Mae”.
 
O seu coração parou de bater a 23 de julho de 1966. Foi encontrado em Nova Iorque, despido em cima da cama. A autópsia concluiu “doença arterial oclusiva”. 
 
Pouco antes, tinham-lhe vindo perguntar se queria ver um filme dele na televisão, ao que Monty respondeu: “Nem pensar!” Alegadamente, foram as suas últimas palavras.

David Furtado

Artigo retirado do site www.c7nema.net 

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