UNIÃO HOMOAFETIVA: adoção e paternidade homoparental no Brasil contemporâneo.

VALDEMAR ALVES FERREIRA - ASSISTENTE SOCIAL
valvesf@estadao.com.br

Data: 03/01/2012

INTRODUÇÃO
"Nenhuma luta haverá jamais de me embrutecer, nenhum cotidiano será tão pesado a ponto de me esmagar, nenhuma carga me fará baixar a cabeça. Quero ser diferente, eu sou, e se não for, me farei”.(Caio Fernando Abreu).
Na contemporaneidade, os homossexuais vêm requisitando para si direitos jurídicos antes sonegados àqueles que ao assumirem uma orientação sexual divergente da heterossexualidade. Entre estes destaca-se o direito à paternidade e maternidade conjunta ou isoladamente. No Brasil, este direito vem ganhando destaque na pauta de reivindicações do movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) que, por sua vez, tem trazido para o cenário político e social a luta pelos direitos de cidadania das lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

O presente trabalho trata a homoparentalidade como um novo paradigma de família pós-tradicional que, desassociando a ideia de reprodução de filiação, dá ênfase a socioafetividade. Aborda o direito à paternidade e à maternidade, examinando a possibilidade de seu reconhecimento no Direito brasileiro de hoje, bem como a viabilidade de seu exercício através do instituto da adoção. Através da análise dos princípios constitucionais do pluralismo, da igualdade, da não-discriminação e do respeito à dignidade da pessoa humana, conclui pela possibilidade de reconhecimento do direito de homossexuais serem pais e mães, podendo este direito tornar-se efetivo pelos meios oferecidos pelo Estado Democrático de Direito.

A importância de estudar o tema assenta-se no entendimento das contribuições com o compromisso ético-político da categoria dos/as Assistentes Sociais, sobre o sentido da liberdade e a necessidade histórica da categoria profissional de se posicionar apoiando reivindicações e lutas dos indivíduos LGBT sobre sua afetividade e sexualidade, tornando-se relevante compreender a problemática, bem como os caminhos que o Serviço Social percorre na efetivação dos direitos já constituídos pela população LGBT, respeitando a identidade de cada indivíduo e os direitos civis, políticos e sociais garantidos constitucionalmente, sendo imprescindível conhecer as necessidades desta parcela da população, conforme nos diz Guerra ao afirmar que:
Se as demandas com as quais trabalhamos são totalidades saturadas de determinações (econômicas, políticas, culturais, ideológicas) então elas exigem mais do que ações imediatas, instrumentais, manipulatórias. Elas implicam em intervenções que emanem de escolhas, que passem pelos condutos da razão crítica e da vontade dos sujeitos, que se inscrevem nos campos dos valores universais (éticos morais e políticos). Mas ainda, ações que estejam conectadas a projetos profissionais aos quais subjazem referenciais teóricos metodológicos e princípios ético-político (2000, p.11).

A adoção não é um fato contemporâneo. Há relatos que ela seja anterior a era cristã, para tanto temos a lenda dos gêmeos Rômulo e Remo, que foram abandonados sobre o leito do Rio Tibre. A lenda narra que após o abandono por sua genitora os gêmeos foram acolhidos por uma loba, que lhes proporcionou todas as condições para se desenvolverem, e quando adultos fundaram a cidade de Roma. Voltando da mitologia para os dias atuais, observa-se que o abandono de crianças não se trata de um fato recente, e que a necessidade de um lar para estas é fator imprescindível. A criança e o adolescente são pessoas dotadas de direitos e deveres, o direito à convivência familiar deve ser a eles assegurado. Para tanto, a Carta Magna de 1988, trouxe para a família um capítulo inteiro, em que estão garantidos todos os direitos e responsabilidades de cada ente familiar.

Mesmo tendo amparo legal, ainda hoje, o que mais preocupa, são os altos índices diários de crianças e adolescentes que são desrespeitados pelos seus genitores. Estes desrespeitos envolvem o trabalho forçado e escravo, casos de abuso sexual familiar, abandono nas ruas ou instituições e até mesmo a exploração sexual de subsistência, muitas vezes incentivada pelos pais. Contudo o que mais indigna, é ver o estado miserável que estas são submetidas, tendo muito dos seus direitos privados, como o de brincar, praticar esportes e se divertir, elencados no artigo 16 da lei nº 8.069, de 13/07/1990- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Estes vilipêndios refletem diretamente no aumento de crianças que fogem de casa, causando assim um índice cada vez maior de crianças e adolescentes em situação de rua. Muitos destes infantes são acolhidos ou encaminhados para instituições de apoio a criança, onde aguardam adoção. Por outro lado o Estado é omisso, pois não investe em serviços de proteção e de políticas públicas que dêem suporte para as famílias e, também não investe em capacitação continuada dos profissionais envolvidos na rede de atendimento.
A superação dos limites impostos ao exercício do direito de paternidade ou de maternidade pelos homossexuais masculinos e femininos passa, assim, necessariamente, pelo rompimento do senso comum conservador e preconceituoso que ainda permeia nossa sociedade, sendo a homossexualidade tratada, ainda muitas vezes, como um tabu, na concepção dada por Freud:

Por trás de todas essas proibições parece haver algo como uma teoria de que elas são necessárias porque certas pessoas e coisas estão carregadas de um poder perigoso que pode ser transferido através do contato com elas, quase como uma infecção infecto contagiosa (FREUD, 1974. V.XIII. p.41)
Em 2004, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou nota sobre o número exorbitante de crianças abandonadas em instituições à espera de adoção, estima-se que há aproximadamente 200 mil crianças no Brasil sem família. Em contrapartida existe uma fila de espera para adoção de 6100 mil casais, isso só no estado de São Paulo. A demora na adoção ocorre pela burocracia das Varas da Infância e da Juventude. Cerca de 20% dos casos, entre o primeiro impulso de adoção e o desfecho, passam-se mais de duas décadas. Outros fatos que atrasam a adoção é a procura por crianças com até uma determinada idade, no máximo 2 anos, e também a procura por crianças com as mesmas características físicas dos pais adotivos (ÉPOCA, 2004). A adoção por casais do mesmo sexo, todavia, tem surpreendido as estatísticas, pois estes são os que menos se preocupam com a idade ou aparência física da criança, pois os que estes futuros pais e mães procuram é proporcionar ao filho o amor e afeto e não uma desigualdade pela diversidade de gêneros (DIAS, 2006).
Dificultar ou restringir o direito a adoção por casais homoafetivos, é também privar uma criança de receber afeto e de ter a convivência familiar, direitos estes elencados no artigo 227 da Carta Magna.
Sobretudo estaria sendo infligido o artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, que faz menção a um dos objetivos fundamentais do Estado, que é, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação“ (FIGUEIREDO, 2002). Entende-se o motivo de tanta precaução ao se falar na adoção por casais do mesmo sexo, teme-se que no futuro esta criança venha a ter uma orientação sexual influenciada, em decorrência do convívio com esta nova espécie de entidade familiar. Deveras, pensar desta maneira seria uma grande incongruência, pois, das crianças que se tornam homossexuais na fase adulta, a maioria são originarias de famílias heterossexuais. Ressalva-se o que está em questão é busca por um lar que proporcione um ambiente estável e seguro à criança, evitando assim a institucionalização e o descaso por causa de um preconceito sem fundamento.
A adoção por casais do mesmo sexo é um tema que tem encontrado grande espaço em debate na atualidade, dentro e fora do Brasil. No Brasil corre uma discussão sobre novas medidas e leis onde mais do que nunca essa questão sublinha nossos traços de homofobia. Correntes religiosas se colocam em bloco contra a aprovação de qualquer brecha que permita uma flexibilização maior para a adoção feita por casais homossexuais. Fica a pergunta: que “cuidado” é esse que prefere uma criança institucionalizada a adotada por um casal homoparental amoroso e dedicado à formação dessa criança?

A adoção torna-se, assim, um dos dispositivos que legitima a paternidade homossexual, haja vista que é um ato legal garantido institucionalmente, pela justiça da infância e juventude. Esta forma de acesso a homoparentalidade consiste no acionamento do poder judiciário na tentativa de legitimar juridicamente a nova família como prevê o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
Metodologia

Este estudo caracteriza-se como bibliográfico de caráter exploratório, no qual se buscou analisar as principais contribuições identificadas na literatura nacional no campo dos direitos dos homossexuais, em especial sobre a paternidade e maternidade. De abordagem qualitativa, teve como objetivo analisar a evolução da sociedade, e as propostas do legislador no campo dos direitos civis e sociais no âmbito das relações homoparentais, como também identificar as contribuições do Serviço Social com relação às uniões homoafetivas e o direito à adoção.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
A análise bibliográfica foi efetivada tendo como referência concreta o estudo realizado através da produção cientifica já existente sobre o tema, ou seja, livros, artigos, trabalhos de pesquisa, periódicos e outros.
CAPÍTULO 1 - Homoparentalidade: um novo paradigma de família

Num prisma histórico-político, pode-se questionar “qual o papel que tem para a sociedade a manutenção dos padrões de dominação nas relações entre os sexos”. Pode-se, inclusive, questionar o porquê da interiorização da dominação, para que a mesma seja aceita como natural , ou o porquê da manutenção dos padrões da família tradicional ou da heterossexualidade.
Mas o detalhe é que o paradigma de dominação ainda é masculino, o que permite, ainda que implicitamente, a depreciação do que se aproxima do feminino e se afasta da nobreza de ser homem.
É necessário, pois, perceber, como exposto por Pierre Bourdieu, o quanto “as mulheres ficaram durante muito tempo confinadas ao universo doméstico e às atividades associadas à reprodução biológica e social da descendência” a fim de “manter a solidariedade e a integração da família, sustentando relações de parentesco e todo o capital social”, para compreender – diante da dificuldade ainda presente de se pensar, principalmente, numa família composta por dois homens e uma criança, sem o referencial materno– o quanto a homoparentalidade radicaliza com tudo isto, exigindo uma revisão dos papéis de gênero dentro da família, uma vez que pela divisão sexual do trabalho as relações de parentesco e reprodução estão simbolicamente e tradicionalmente ligadas à mulher, que agrega valor ao status do homem provedor. A dominação simbólica é uma construção social que foi naturalizada, só se tornando um discurso legitimado porque o reproduzimos. Mudanças visíveis ainda mascaram a permanência de estruturas invisíveis só podem ser esclarecidas através de um pensamento relacional sobre a divisão de poderes na economia doméstica e no mercado de trabalho.
Em conformidade com Pierre Bourdieu

Embora a inércia dos habitus , e do direito, ultrapassando as transformações da família real, tenda a perpetuar o modelo dominante da estrutura familiar e, no mesmo ato, o da sexualidade legítima, heterossexual e orientada para a reprodução; embora se organize tacitamente em relação a ela a socialização e, simultaneamente, a transmissão dos princípios de divisão tradicionais, o surgimento de novos tipos de família, como as famílias compostas e o acesso à visibilidade pública de novos modelos de sexualidade (sobretudo os homossexuais), contribuem para quebrar a dóxa e ampliar o espaço das possibilidades em matéria de que sexualidade. Do mesmo modo, e mais banalmente, o aumento do número de mulheres que trabalham não pode deixar de afetar a divisão das tarefas domésticas e, ao mesmo tempo, os modelos tradicionais masculinos e femininos, acarretando, sem dúvida, conseqüências na aquisição de posições sexualmente diferenciadas no seio da família. (BOURDIEU, 2003,p 64)
Neste sentido, Anthony Giddens expõe sobre a luta feminina para se libertar de papéis sexuais preexistentes, sobre a reivindicação de movimentos e grupos pela aceitação social e legitimidade legal para os homossexuais como direitos de auto-expressão no contexto do Estado democrático e sobre a contestação homossexual dos estereótipos heterossexuais dominantes.

Dispõe, então, que “ainda não atingimos um estágio em que a heterossexualidade é aceita como apenas uma preferência entre outras, mas esta é a implicação da socialização da reprodução”, o que remete à sexualidade plástica que propicia a diferenciação entre o sexo e as exigências da reprodução.
Nos relacionamentos homossexuais, pode-se testemunhar a sexualidade completamente desvinculada da reprodução. Outrossim, pode-se desassociar maternidade de feminilidade, ou seja, desprender a imagem da mulher como esposa e mãe típica do “modelo de ‘dois sexos’ das atividades e dos sentimentos”.
A separação da sexualidade da reprodução e a socialização da reprodução desenvolvem-se com toda a sua riqueza e seus desequilíbrios de gênero, que se pauta numa linha divisória entre razão e emoção, entre ativo e passivo, entre público e privado. Ao mesmo tempo, à medida que o que costumava ser “natural” torna-se cada vez mais socializado, e em parte como um resultado direto dessa socialização, os domínios da atividade pessoal e da interação começam a ser fundamentalmente alterados. E, assim, a sexualidade passa a funcionar como uma metáfora para estas mudanças e se torna o foco para sua expressão, até porque, a emancipação sexual, como meio para conseguir uma reorganização emocional mais abrangente da vida social, como uma forma de democratizar a vida pessoal, consiste na integração da sexualidade plástica com o projeto reflexivo do eu.

Nota-se que enquanto o movimento feminista separou sexualidade de reprodução, o movimento gay, numa continuidade, está dissociando reprodução de filiação.

Através da homopaternidade – pais homossexuais e mães lésbicas –, os quais, ao assumir abertamente a paternidade e a maternidade como uma ficção cultural (artefato) e não apenas uma evidência natural, radicalizam a questão da vontade (e não a vontade do corpo) na questão da filiação.

Frisa-se, então, que “as características fundamentais de uma sociedade de alta reflexividade são o caráter ‘aberto’ de auto-identidade e a natureza reflexiva do corpo” e que pensar na reflexividade é entender que estas mudanças atingem a nós mesmos e a sociedade toda, transformando-nos, reordenando-a. A contínua incorporação reflexiva não apenas se introduz na brecha, mas proporciona precisamente um ímpeto básico às mudanças que ocorrem nos contextos pessoais, e também globais da ação.

Neste contexto, torna-se necessário ultrapassar dualismos que estão profundamente enraizados nas estruturas e nos corpos, afinal, os gêneros, “longe de serem simples ‘papéis’ com que se poderia jogar à vontade (à maneira das drag queens), estão inscritos nos corpos e em todo um universo do qual extraem sua força”. É a ordem de gênero que a homoparentalidade desencaixa, propiciando uma crise dos próprios paradigmas.
A justificativa biológica para a heterossexualidade como sendo o “normal” perde sentido. O que era tido como perversão torna-se forma de expressão de como a sexualidade pode ser legitimamente revelada e a auto-identidade definida. O reconhecimento de múltiplas tendências sexuais satisfaz a aceitação de uma ampla possibilidade de estilos de vida, o que implica uma atitude política de anuência da pluralidade.

Ao constatar que homossexuais, homens e mulheres, manifestam o desejo de se “normalizar” e, para tanto, reivindicam o direito ao casamento, à adoção e à procriação assistida, Elisabeth Roudinesco indaga: o que teria ocorrido na sociedade ocidental, nas últimas décadas, para que antigas minorias perseguidas desejem ser reconhecidas, não mais negando ou rompendo com a ordem familiar que tanto contribuiu para seu infortúnio; ao contrário, procurando nela integrar-se? Considerando que a homossexualidade sempre foi repelida da instituição do casamento e da filiação, a ponto de se tornar, ao longo dos séculos, o significante maior de um princípio de exclusão, por que o desejo de família? E, neste contexto, expõe que, “curiosamente, não é mais a contestação do modelo familiar que incomoda os conservadores, mas sim a vontade de a ele se submeter”.
Ocorre que tal vontade, manifesta na reivindicação de se incluirem no conceito de família é coerente e legítima, afinal, a homoparentalidade não é contra “a família”, só propicia a continuidade da mesma através dos filhos desejados , em outros parâmetros.
Como evidenciado por Daniel Borrillo,

A resistência à igualdade das sexualidades (no plano civil, com o reconhecimento do casamento e da homopaternidade) pode ser interpretada como uma incapacidade do poder para integrar valores próprios à modernidade, como a autonomia do indivíduo, a igualdade dos sexos, a contratualização dos laços familiares e a desbiologização da paternidade e da maternidade.

Na verdade, ainda não vivemos num universo social totalmente pós-moderno, mas já vemos a emergência de modos de vida e maneiras de organização social que divergem das criadas pelas instituições modernas. Não podemos esquecer que instituições e significações são criadas, embora haja uma tentativa de ocultamento desta criação para pensarmos que as coisas sempre foram do mesmo jeito.

Logo, por um lado, a luta homossexual para consolidar sua cidadania, ainda perpassa pela efetivação de direitos civis de liberdade e igualdade que significa um mesmo ordenamento jurídico para todas as pessoas e pela concretização de direitos personalíssimos que têm respaldo na dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República. Mas, por outro ponto de vista, já traz a baila e incorpora o debate atual de democratização de famílias num viés de solidariedade e socioafetividade, bem como de utilização de técnicas de reprodução assistida. O fato é que num Estado Democrático de Direito, a orientação sexual não pode implicar na perda ou limitação de direitos fundamentais.
1.1 Construção histórica da homossexualidade no Brasil

“O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela”. (MARIA BERENICE DIAS)
Segundo dados do Censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010, o Brasil é composto por 27 Unidades da Federação e 5 565 municípios, com uma população de 190.732.694 pessoas, composta por 97.342.162 do gênero feminino e 93.390.532 do gênero masculino, contudo a única pesquisa utilizada como referência pelo movimento homossexual para quantificar a população de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis, é o Relatório Kinsey que a partir da pesquisa feita com os estadunidenses, pelo cientista norte-americano Alfred Charles Kinsey que teve o primeiro volume do relatório publicado em 1948 sobre homens e o segundo volume em 1953 sobre mulheres, o qual estima que 10% da população mundial tem práticas sexuais com pessoas do mesmo gênero. Com base nesta pesquisa o movimento LGBT brasileiro considera que no Brasil há mais de 19 milhões de brasileiros e brasileiras dos quais sua orientação sexual ou identidade de gênero não são compatíveis com o padrão dominante heterossexual. Observamos, porém que esta pesquisa apesar de ser aceita pelo movimento LGBT não pode ser utilizada como fonte segura de dados, pois trata-se de uma pesquisa por amostragem que não compreende a complexidade da diversidade sexual e aqui é citada apenas para corroborar a dificuldade e a necessidade de conhecer essa população e suas necessidades.

O ano de 1977 pode ser considerado como a data inicial do movimento homossexual brasileiro: nesse ano, a convite do advogado gaúcho-carioca, João Antônio Mascarenhas, o editor do jornal estadunidense Gay Sunshine, Winston Leyland, fez uma visita ao Brasil, sendo cancelada sua conferência na Universidade Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul - Brasil, mas recebendo enorme divulgação na imprensa nacional. Estimulados por este fato, alguns intelectuais gays do Rio de Janeiro e São Paulo fundaram em abril de 1978 o primeiro e até hoje principal jornal homossexual brasileiro, O Lampião da Esquina, que na época abordava temas ligados á sexualidade, cultura, gênero e discriminação racial. O qual serviu de veículo e reforço para a fundação em São Paulo, no mesmo ano do primeiro grupo brasileiro de militância gay - o Somos, que adotou o mesmo nome da pioneira revista homossexual publicada na América do Sul pela Frente de Libertação Homossexual da Argentina.

Nessas mais de três décadas de afirmação homossexual, mais de uma dezena de intelectuais gays publicaram artigos e livros tendo a homossexualidade como tema – ensaios literários, pesquisas e estudos sobre diferentes aspectos da subcultura gay no Brasil. Mais da metade desses autores ostentam em comum, além da orientação homossexual, a particularidade de terem em algum tempo de suas vidas militado no MHB - o movimento homossexual brasileiro - ou participado de jornais e revistas de afirmação homossexual. Entre esses autores, destacam-se: Darci Penteado, Herbert Daniel, João Silvério Trevisan,Luiz Mott e Richard Parker.

A sexualidade humana teve como parâmetro a heterossexualidade como norma, reforçando assim práticas homofóbicas perante as sociedades, o reflexo disso são inúmeras teorias que tentam elucidar a origem da homossexualidade, tratando- a como doença e buscando a sua cura, conforme análise de WUSTHOF:
Antigamente, a medicina rotulava a homossexualidade de doença, sentindo-se responsável por encontrar a sua cura. Como se fosse possível descobrir alguma pílula que neutralizasse desejos. Recentemente surgiu uma versão moderna para explicar a “doença”. Com sensacionalismo foi anunciada uma descoberta de médicos nos Estados Unidos: o hipotálamo dos homossexuais, a região do cérebro que controla as emoções, teria uma variação anatômica por obra da genética (1998, p. 106).

O emprego da palavra homossexual é recente, originária do século XIX vem do grego homo (igual) e do latim sexus, igual + sexo. O termo de acordo com a 3º edição de 1993 publicada do dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, fica voltado à atração e/ou comportamento sexuais entre indivíduos do mesmo sexo. Já o termo homofobia, criado pelo psicólogo George Weinberg em 1971, neologismo da junção das palavras gregas phobos ("fobia"), com o prefixo homo (“igual”), como remissão à palavra "homossexual", é utilizado para identificar o ódio, a aversão ou a discriminação de uma pessoa contra homossexuais e, consequentemente, contra a homossexualidade, e no caso dos próprios homossexuais a auto-aversão.
Para o Professor Enézio de Deus Silva Júnior, homossexualidade:

É uma prática sempre presente na história da humanidade, por se constituir uma das possíveis orientações afetivo-sexuais humanas – caracterizada pela predominância ou manifestação de desejos por pessoas do mesmo sexo biológico que não se reduz a [sic] simples escolha ou opção. (2008, p.55)
Atualmente, a relação de afetividade entre homossexuais começa a receber, doutrinariamente, um novo sinônimo: homoafetividade. Este vocábulo está sendo introduzido pela desembargadora e jurista Maria Berenice Dias, a qual defende que o afeto é o fator mais relevante na atração que uma pessoa sente pelo mesmo sexo. Segundo ela, "Não se trata apenas de buscar palavras politicamente corretas, mas – sobretudo – posturas humanas e sociais, democráticas e libertárias corretas”.

1.2 Religiões e a construção homofóbica da homossexualidade

Sem dúvida alguma na idade média, a tradição Judaico- Cristã contribuiu para a alienação do pensamento humano, quando este enraizou, que as relações sexuais deveriam ter um único objetivo, a procriação. Desde o período da colonização, “o pecado nefando” a “sodomia” ou a “sujidade”, como eram denominadas na época a relação entre pessoas do mesmo sexo, foi considerado um pecado devasso entre os cristãos. Em 1549, o Padre Manoel da Nóbrega , “ficou completamente chocado ao ver que muitos colonos tinham índios como mulheres. Foi o primeiro a observar a prática da sodomia no Brasil”, (TREVISAN 2000, p.65).

O Santo Ofício da Inquisição (1217-1821), apesar de não ter instituído no Brasil um Tribunal, nos moldes de Portugal e da América Espanhola, teve uma profunda penetração na sociedade. A Igreja detinha o poder, de condenar à morte os praticantes do crime de traição nacional, quem confeccionasse moedas falsas, os hereges e os homossexuais. Desde então, a sexualidade, o sexo e o prazer proveniente a ele foram associados com o ato pecaminoso, a homossexualidade ficou estigmatizada como anomalia, pecado e até sem-vergonhice ou atitude doentia, resultando na materialização de diferentes modalidades de preconceito e, conseqüentemente, na imposição e naturalização da invisibilidade das práticas afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo.
Lutas travadas em prol da libertação sexual nos anos de 1880 até os anos 30 do século XX foram protagonizadas pelo movimento socialista europeu, o qual garantiu inúmeras conquistas contra o preconceito, no entanto dois meses após a Revolução Russa de 1917, estas conquistas foram drasticamente abolidas, o governo dos bolcheviques tornou a homossexualidade ilegal e assim permanece até os dias de hoje na Rússia. Os autores Simões e Facchini relatam a década de 30 como uns dos momentos mais sombrios e repressivos para o movimento europeu, tendo em vista que:

Concomitantemente, deu-se o recrudescimento das condenações por homossexualidade e o envio de prisioneiros homossexuais para campos de concentração, onde eram obrigados a portar uniforme costurado com a marca de um triângulo rosa, submetidos a um regime de trabalhos forçados e passíveis de castração. A Rússia soviética, sob Stalin, também passaria a promover violentas campanhas contra a homossexualidade, restabelecendo punições legais que justificavam a perseguição a homossexuais como traidores, espiões e contra revolucionários (2009, p. 43).

Uma nova onda de lutas pelos direitos humanos desenvolveu-se na Europa no ano de 1948, sendo proclamada neste mesmo ano pelas Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O surgimento do movimento homossexual ficou marcado por uma série de mobilizações desses grupos, que lutavam pela proibição da discriminação devido à orientação sexual e à conquista da igualdade de direitos em relação aos heterossexuais no caso da união civil. Porém, o marco do início do movimento LGBT no mundo se deu a partir da Rebelião de Stonewall, um bar situado na cidade de Nova York frequentado por gays, lésbica, travestis e afins, os quais cansados e indignados com as freqüentes investidas policiais marcadas por humilhações e forte repressão, iniciaram no dia 28 de junho de 1969 transformado, desde então, em Dia Internacional do Orgulho Gay, uma resistência aberta contra homofobia e em busca da visibilidade, a qual durou três dias e marcou virada do atual movimento perante as sociedades.

No Brasil, posto que desde 1821, com a extinção do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, e de 1824, com a promulgação da primeira Constituição do Brasil, a sodomia tenha deixado de ser crime, os homossexuais ainda eram vitimas de um complô entre médicos, legistas e policiais que se utilizavam de leis contra vadiagem e práticas de atos obscenos em público para justificar as prisões e violências contra os homossexuais. No que se refere a esta época Simões e Facchini nos diz que:

Embora a homossexualidade não fosse punida pelo Código Penal Brasileiro, as leis contra vadiagem, perturbação da ordem pública e prática de atos obscenos em público davam espaço a repressão policial que atingia sobre tudo os mais pobres e os de pele escura. No Rio de Janeiro dos 1950 e 1960, a perseguição policial aos homossexuais, encarnada na figura do delegado Raimundo Padilha, que encabeçou campanhas de prisão homossexuais destinadas a limpar o Centro da Cidade e a Zona Sul (2009, p.65).

Segundo, Beraldo Lopes Figueiredo, estudioso do assunto Espiritualismo e Projeção do corpo Astral:
As religiões ainda não descobriram, que a sexualidade não é uma opção, não é fruto da criação doméstica do habitat é na verdade uma imposição da natureza. Longe de ser uma doença, distante de ser um vício é de fato uma alternativa da evolução, tão importante como a heterossexualidade. Não se escolhe a sexualidade, se nasce com ela.

Na ausência de leis explícitas de condenação à homossexualidade, médicos e legistas agiam em estreita colaboração com a polícia nos esforços de prescrever ações correcionais que, acrescidas à punição pelos crimes previstos na lei, amplia indefinidamente o tempo de privação da liberdade daqueles que vinham a ser diagnosticados como homossexuais.

1.3 Início do movimento LGBT no Brasil

A atuação do Grupo Somos em 1978 e a criação do jornal “O Lampião da Esquina”, em São Paulo, são considerados como marcos no início da luta política dos homossexuais no Brasil (MacRAE, 1990). Lésbicas, gays, travestis e transexuais não são apenas discriminados. Eles são criminalizados, alvos de atentados à vida, são perseguidos e morrem em atentados de grupos fascistas e nazistas.

A articulação do movimento brasileiro contra o regime militar teve início somente no final da década de 70, os homossexuais aliados a outros grupos estigmatizados, segundo Simões e Facchini (2009 p.81) “juntavam-se a sua maneira ao coro de oposição a ditadura”, como resposta a opressão, assassinatos e torturas impostos pelo regime militar, a militância LGBT tem como foco a visibilidade exigindo o respeito à diversidade sexual e garantias de dignidade e igualdade de direitos aos homossexuais, cansados de viverem “dentro do armário” ou na clandestinidade dos bares noturnos, unem-se contra as injustiças sociais conforme nos diz Facchini:
Os grupos de militância homossexual no Brasil surgiram somente no final da década de 1970, não somente o movimento homossexual, mas outros grupos sociais, nesta época, articulavam-se pela defesa da visibilidade, pela construção de novas formas de conhecimento, de cidadania plena e pela luta por direitos civis ao grande movimento da oposição à ditadura militar. (2005, p.13)

No ano de 1978, com a fundação do jornal “O Lampião da Esquina” considerado na época "o porta-voz dos homossexuais", a comunidade passou a manifestar suas opiniões em meio a um regime militar tornando este o principal veículo de comunicação da população homossexual. Novamente, começaram a surgir os grupos organizados em todo o país. Em 1978 surge, em São Paulo, o primeiro grupo: o Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade, sendo um dos primeiros a tratar da homossexualidade como questão social e política. Depois vieram o Somos/RJ, Atobá e Triângulo Rosa no Rio, GGB-Grupo Gay da Bahia, Dialogay de Sergipe, Um Outro Olhar de São Paulo, Grupo Dignidade de Curitiba, Grupo Gay do Amazonas, Grupo Lésbico da Bahia, Nuances de Porto Alegre, Grupo Arco-Íris do Rio, entre outros, sendo que, atualmente, existem aproximadamente 70 grupos espalhados por todo o Brasil.

Sobre o movimento homossexual no Brasil Facchini discorre:

O surgimento do movimento homossexual no Brasil é associado à Fundação do Grupo Somos, em São Paulo, em 1978. E é entendido aqui como conjunto das associações e entidades, mais ou menos institucionalizadas, constituídas com o objetivo de defender e garantir direitos relacionados à livre orientação sexual e/ou reunir com finalidades não exclusivamente, mas necessariamente, políticas sexuais tomadas como sujeito deste movimento. (movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico Cadernos Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP), Campinas, v. 10, n. 18/19, p. 79-123, 2003.

Esta organização da sociedade civil alcançou resultados não só ao movimento homossexual, mas para a conquista de um estado de direitos de fato a todos os cidadãos brasileiros, não podemos negar que foi um passo pequeno na luta por conquistas sociais, mas um exemplo de que o único caminho para mudar o que está posto em uma dada realidade são os movimentos sociais organizados em prol de um objetivo maior.
No ano de 1973 a APA - Associação de Psiquiatria Americana, retirou a homossexualidade do rol dos distúrbios mentais, sendo que somente em 1985 deixou de se catalogada no CID - Código Internacional de Doenças ainda que a Organização Mundial de Saúde – OMS tenha retirado sufixo “ismo” do termo “homossexualismo”, o qual remetia a relação entre pessoas do mesmo sexo como doença, adotando então o sufixo “dade”, como relevância ao modo e a orientação.

O movimento homossexual brasileiro trata de uma série de manifestações sócio-político-culturais em favor do reconhecimento da diversidade sexual, e pela promoção dos interesses dos homossexuais diante da sociedade brasileira com a constituição das políticas públicas, o triângulo rosa utilizado para demarcar os homossexuais durante o nazismo ainda hoje é reconhecido como um dos símbolos do movimento, assim como a bandeira inspirada no arco-íris que foi adotada pela comunidade homossexual. Desenhada pelo artista plástico Gilbert Bakerem no ano de 1977, a bandeira original era composta por oito cores e atualmente tem seis, uma a menos que o arco-íris, cada cor representa um conceito. O roxo representa vida; laranja, coração; amarelo, sol; verde, natureza; azul anil, harmonia e violeta, espírito. Toda essa mistura de cores representa, respectivamente, a diversidade sexual humana. Devido ao alto custo da impressão em grande escala, foram excluídas as cores rosa e turquesa as quais representavam sexo e arte.

Figura 1 - Bandeira símbolo do Movimento LGBT no Brasil - Fonte: www.google.com/imagens
Através de dados retirados do site oficial da Parada do Orgulho Gay em São Paulo fazemos breve histórico das atuações do movimento por meio de algumas edições paradas que acontecem anualmente na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, permeando o enfrentamento do preconceito á garantia dos direitos da população LGBT no caminho da construção social do arco-íris.
CAPÍTULO 2- História das paradas LGTB

A primeira Parada do Orgulho LGT ocorreu em 28/06/1997 com o tema: “Somos muitos, estamos em todas as profissões” tratando de percurso inevitavelmente marcado por tensões, disputas e rompimentos entre seus integrantes teve como foco principalmente temáticas ligadas à visibilidade LGBT e se consolidando como manifestação política do movimento. Foi criada a Associação Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas e Travestis (APOGLBT/SP). como denominada à época, foi fruto do trabalho dos grupos CORSA, Núcleo de Gays e Lésbicas do PT (Partido dos Trabalhadores) de São Paulo, CAHEUSP (Centro Acadêmico de Estudos Homoeróticos da Universidade de São Paulo), Etc. e Tal, APTA (Associação para Prevenção e Tratamento da Aids), AnarcoPunks e Núcleo GLTT do PSTU.

A segunda edição da Parada do Orgulho GLT ocorreu em 28/06/1998 com o tema “Os direitos de gays, lésbicas e travestis são direitos humanos” passou de 100 mil a 500 mil participantes e tomou por temática principal o desenvolvimento da idéia de diversidade, de modo a não somente visibilizar a população LGBT, mas envolver a sociedade como um todo a partir do conceito de respeito à diversidade. É nesse período que as atividades em torno da parada começam a se multiplicar, de modo a dar origem ao Mês do Orgulho LGBT.
A partir da terceira edição em São Paulo a Parada do Orgulho GLBT realizada em 27/06/1999 com o tema: “Orgulho Gay no Brasil, rumo ao ano 2000” foram alcançados os objetivos de visibilidade da população LGBT e da participação da sociedade, começando uma nova fase em que a Parada, já plenamente consolidada como manifestação de um campo social crescente, passa a ser utilizada a fim de refletir sobre as demandas da comunidade e como forma de pressão política pelo reconhecimento e garantia efetiva de direitos humanos de LGBT. Alçando a Parada de São Paulo ao título de maior manifestação pública pelo movimento já realizada no país. Foi também o primeiro ano em que a sigla GLBT foi usada, dando visibilidade social e política para os bissexuais (B), travestis e transexuais (T).

A nona parada do Orgulho GLBT ocorrida em 29/05/2005 teve como tema “Parceria civil, já! Direitos iguais: nem mais, nem menos” com público estimado de 2,5 milhões de pessoas. Após o grande marco da Parada anterior, tendo em vista o reconhecimento internacional atingido pelo movimento, tanto pelos governos como pela mídia, a APOGLBT SP decidiu enfatizar as demais atividades ligadas à manifestação, divulgando o conjunto de ações oficialmente como o “Mês do Orgulho GLBT de São Paulo”. Nesse ano, a organização contou com o apoio financeiro do Ministério da Cultura e patrocínio de projetos de prevenção às DST/Aids pelo Ministério da Saúde. A prefeitura de São Paulo também colaborou com apoio logístico ao evento. Com o tema, o movimento cobrou do Legislativo a aprovação do Projeto de Parceria Civil entre pessoas do mesmo sexo, que tramitava no Congresso Nacional há dez anos, expondo a necessidade de se construir uma legislação que garantisse igualdade aos LGBT.

Figura 2 – 15ª Parada LGBT - Fonte: www.band.com.br/jornalismo/galeria.asp?id
A 15ª Edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo 2011, teve como consigna “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia! – 10 anos da Lei Estadual 10.948/01”. A maior parada gay do mundo comemora os 10 anos da lei que criminaliza a homofobia no estado de São Paulo e questiona os religiosos fundamentalistas que lutam contra os direitos dos homossexuais no país. Exemplo deste fundamentalismo religioso encontra-se a Universidade Presbiteriana Mackenzie que divulgou em seu site, no mês em que é realizada a Parada, uma nota contra o PL 122 que criminaliza a homofobia. De acordo com o comunicado, assinado pelo chanceler [reitor] Augustus Nicodemus Lopes, “ensinar e pregar contra a prática do homossexualismo (sic) não é homofobia, por entender que uma lei dessa natureza maximiza direitos a um determinado grupo de cidadãos.” A lei torna crime manifestações contrárias aos homossexuais. Segundo o Mackenzie, “as Escrituras Sagradas, sobre as quais a Igreja Presbiteriana do Brasil [controladora da instituição] firma suas crenças e práticas, ensinam que Deus criou a humanidade com uma diferenciação sexual (homem e mulher) e com propósitos heterossexuais específicos que envolvem o casamento, a unidade sexual e a procriação”. A postura do Mackenzie lembra tempos da Idade Média. Nesta Edição da Parada o objetivo foi questionar a moral religiosa conservadora, que vem se reafirmando como uma das principais oposições ao avanço da cidadania e dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) no Brasil e no mundo. O lema também celebra a primeira década da lei paulista anti-homofobia e destaca a necessidade de ampliação da conquista para o nível federal.

Há 15 anos, os temas propostos pela Parada de São Paulo refletem as necessidades da comunidade LGBT brasileira. Analisá-los possibilita identificar como a Parada interferiu nos conceitos morais da sociedade e quais mudanças sociais já ocorreram, pois a homossexualidade ao invés de ser estudada deve ser aceita como uma das variantes da diversidade sexual.

A mesma deve ser compreendida como uma manifestação pública de caráter político, pois as conquistas do movimento ao longo dos anos reforçam a importância da visibilidade perante a sociedade e o Estado para este segmento em especial. A mídia nos apresenta uma Parada banalizada, sem enfoque, sem causa, como se todos viessem apenas para um carnaval fora de época na cidade de São Paulo. As grandes manchetes na mídia, já nos dias que antecede infelizmente a preocupação da maioria dos jornalistas que cobre o evento tem sido com o espetáculo: fotos exuberantes, de homens e mulheres se beijando. O tema da intolerância, do preconceito e da violência simbólica , pauta de parte dos grupos organizadores, fica sempre nas entrelinhas. Como já nos disse Einstein “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”.

De fato carecemos reconhecer que a nossa história foi repleta de violência e repressão contra as militâncias em diferentes tempos históricos, talvez então, ai se encontre o motivo da nossa resistência ou até mesmo espanto ao nos darmos conta de que é possível a manifestação de maneira alegre, protestando sim por tudo que ainda almejamos, mas com toda certeza celebrando como o “Orgulho Gay” todas as conquistas ao longo desta luta cheia de cores e de dores. A militância LGBT nos serve de exemplo, apesar das diferenças internas do movimento não alcançado a unidade, a Parada LGBT de São Paulo, é considerada desde 2004 a maior manifestação do gênero no mundo. Demonstrando assim a responsabilidade da construção social que seus membros assumiram desde a ditadura, os quais todos os anos saem às ruas em busca de “mais direitos, mais respeito, mais dignidade”, traçando o caminho oposto dos muitos movimentos sociais que se institucionalizaram e se acomodaram reconhecendo no Estado um parceiro e não o seu algoz, mesmo que este seja responsável pela manutenção das desigualdades e injustiças sociais.

A luta do movimento LGBT é uma luta de caráter universal, tendo em vista, que as restrições sexuais atingem a nossa intimidade, nossas escolhas, perpetuam através de gerações em especial para as mulheres de forma machista, pois se as relações sexuais devem ter como norma as relações heterossexuais com o único objetivo de procriar, tirando-nos o direito fundamental a liberdade e consequentemente o livre arbítrio de nossas escolhas, de sentirmos desejo, não exercendo assim a sexualidade plena e sem restrições, portando, apesar de vivermos em uma sociedade “dita” democrática, vivenciamos atualmente a ditadura do sexo, posto que, a sexualidade humana é dimensão relevante na constituição da individualidade e qualquer tentativa de impedimento a vivência afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo configura-se concretamente a violação dos direitos humanos.

É necessário prestar mais atenção a este grupo social que sofre diariamente o preconceito, em razão da orientação sexual, que lhe é natural, assim como deve ser o direito a liberdade e a vida privada, mas estes sofrem por não terem assegurados devido a sua condição sexual, direitos básicos, como por exemplo: o reconhecimento da união estável pelo Poder Legislativo, a sucessão, a adoção, entre outros. Os Juízes devem superar “lacuna legal” e reconhecer a união homoafetiva. É claro que o direito não regula sentimentos, mas define relações com base nele geradas.
Figura 3- Ato no Cristo Redentor, Celebração do Dia Mundial do Orgulho LGBT, Rio de Janeiro -29/06/2009; Fonte: www.naohomofobia.com.br
2.1 A família para além da heterossexualidade

As relações familiares são restritas ao âmbito do privado e não do público, mesmo que o Estado brasileiro dedique à família proteção social “especial”. Logo, como construto sócio-histórico da esfera privada cabe a sociedade sua normatização, uma vez que, se cairmos no lapso da tentativa de normatizar as relações familiares e os laços de parentesco, de certo, desqualificaremos várias alternativas de se constituir família. Entretanto, quando isso ocorre acaba-se falando em crise daquela ou então em “decadência” da mesma, o que resultará em estigmatizações dos variados processos de organização das estruturas familiares que não se encaixam no modelo pai-mãe-filhos.

Entre as novas formas de se compreender família que são rechaçadas de preconceito destacam-se as compostas por casais homossexuais, as homoparentais (TARNOVSKI, 2002) ou homoafetivas (DIAS, 2000). Isso em função do preconceito discriminatório que muito objurga as relações homossexuais, principalmente após a cristianização do Ocidente, onde as práticas homoeróticas passaram a ser marginalizadas e colocadas abaixo da moralidade judaico-cristã sendo consideradas atos anormais. O padrão normal de comportamento pressupõe-se que partiria do referencial heterossexual .

O estabelecimento do normal e anormal é um delinear complicado colocando os “ditos anormais” em uma situação marginal. Assim, ocorre com as famílias homoparentais que longe da estrutura sacra do conceito de família, que historicamente é associada ao casamento derivado de um relacionamento heterossexual que gerará filhos (DIAS, 2000), são caracterizadas como forma anormal pelo imaginário social.

Se olharmos para dentro das estruturas homoparentais será que não há, em hipótese alguma, algo que as faça merecedoras do status de família? Interrogar-se, assim, é o fator preponderante que possibilita a formulação de um entendimento de família para além da heterossexualidade aceita como norma. Para tanto, este capítulo trabalhará com a construção teórica do que vem a ser, hoje, a categoria homossexual [homossexualidade] na tentativa de oportunizar a descoberta do por que negar aos casais homossexuais o direito a ser e ter família, já que “as uniões homoafetivas são uma realidade que se impõe e não podem ser negadas, estando a reclamar a tutela jurídica ”.

2.2 A homossexualidade como variante da sexualidade humana

Iniciar a defesa da homossexualidade como uma variante da sexualidade humana exige uma discussão longa através da história do ser humano, mas para esta análise optar-se-á pela sumarização dos fatos sem perder a real essência do transcorrer histórico, político e social pelos quais a categoria homossexualidade vem passando ao longo do tempo, até os dias atuais.
Em primeira linha, esclarece-se que a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo é antiga, mas o termo em si, homossexualidade é novo – datando do final dos anos de 1980 – e, também, que a prática em si não carregava em sua gênese o real efetivo de prazer sexual, realização de um desejo, como uma orientação sexual. Será percorrido um caminho que possa contemplar a real gênese do preconceito que se estabeleceu aos homossexuais, em muitos casos, chegando a não respeitá-los como cidadãos. O que os colocaram – e os colocam – em situação marginal.

Na Grécia Antiga – visa-se Atenas – a pederastia consistia em uma prática reconhecida socialmente a qual um homem mais experiente cortejaria um jovem e caso a corte fosse aceita, o adulto seria uma espécie de preceptor do adolescente, pois o primeiro ensinaria o segundo o valor da estética [o belo], iniciaria-o na arte do amor, complementaria seus estudos na área da filosofia e a da moral. Contudo, não era qualquer homem adulto que poderia exercer tal função, ou seja, para que um indivíduo mantivesse algum tipo de relação sexual com um adolescente, esse deveria ter certo grau de status social indicando que o adulto deveria possuir ascendência intelectual, cultural e econômica sobre o adolescente, por muitas vezes, estes homens mais velhos eram os anciãos das Cidades-Estado. A prática sexual ocorria ao se acreditar que por meio do sêmen eram transmitidos os dotes dos “preceptores” aos jovens (GUIMARÃES, 2005).

A pederastia não implicava na anulação da vida conjugal dos pederastas, já que a prática sexual entre dois adultos do mesmo sexo não era vista com “bons olhos” perante a sociedade, que permitia apenas a prática sexual como forma de um homem adulto educar um jovem. Logo, o pederasta, em sua maioria, tinha esposa e o fato de se relacionar com garotos não implicava na anulação do casamento, já que se tratava de uma prática educacional. Sobre a homossexualidade na Grécia Antiga discorre Dias:
A bissexualidade estava inserida no contexto social, e a heterossexualidade aparecia como uma preferência de certo modo inferior e reservada à procriação. A homossexualidade era vista como uma necessidade natural, não se tratando de uma negação moral, um acidente, um vício (DIAS, 2000, p. 24).
A relação entre pessoas do mesmo sexo em Esparta continha um sentido diferente da cidade ateniense, pois as relações de pederastia eram estimuladas entre os componentes do exército espartano como uma tática bélica para torná-los mais fortes. Isso decorria do fato de acreditarem que um amante, além de lutar, jamais abandonaria o outro no campo de batalha e a morte de um do par resultaria na fúria por vingança o que o levaria o exército espartano a vitória (GUIMARÃES, 2005).

Embora fosse permitido manter relações sexuais entre homens com idades díspares sendo que um deles deveria ter idade entre quatorze e dezesseis anos, em Atenas, ao completarem os dezessete, dezoito anos ou então ao aparecerem com características marcantes da masculinidade, como barba, voz mais grave, a relação entre eles deveria terminar. O não cumprimento desta norma resultaria em reprovação social, principalmente para os homens com maior idade. Portanto, na Cidades-Estado de Atenas a prática sexual entre homens era um ritual cultural de troca: um homem mais velho daria a sua sabedora a um jovem em troca de sua vitalidade, beleza e juventude.

Porém, a relação sexual entre dois homens adultos não era aceita em Atenas, pois ao homem, ser ativo, não cabia o ato de passividade, como bem destacou Foucault (2006) em seus escritos sobre a História da Sexualidade.

Contudo, a maior margem de preconceito ao se tratar das relações sexuais entre iguais surgiu com base nas religiões. Principalmente com a tradição Judaico-Cristã que atribui um alto valor moral e espiritual as relações entre os pares, bastante diferente da conduta pagã dos Antigos. Na órbita da religião cristã, qualquer relação sexual que fosse pautada, apenas, pelo desejo, manifestação da satisfação da carne por meio do sexo era tida como imoral, incorreta. Segundo Foucault:
O valor do próprio ato sexual: o cristianismo o teria associado ao mal, ao pecado, à queda, à morte, ao que a antiguidade o teria dotado de significações positivas. [...] A desqualificação das relações entre indivíduos do mesmo sexo: o cristianismo as teria excluído rigorosamente, ao passo que a Grécia as teria exaltado – e Roma aceito – pelo menos entre homens (2006, p. 17).

Foucault (2006) já havia problematizado a questão da sexualidade entre os homens. Ele mostrou o porquê do medo que a Igreja tinha ao hipotetisar a perda do sêmen pelo homem. Isso decorria do fato que toda a atividade sexual tinha que possuir a finalidade de procriação, não poderia haver perda do sêmen, pois infringiria o mandamento “crescei e multiplicai-vos”, além de ser pecado todo o ato sexual que tivesse uma finalidade diferente da reprodução de seres humanos (DIAS, 2000).
Nesta última hipótese destaca Foucault:

Os jovens com uma perda do sêmen carregam em todos os hábitos do corpo a marca da caducidade e da velhice; eles se tornam relaxados, sem força, entorpecidos, estúpidos, prostrados, curvados, incapazes de qualquer coisa, com a tez pálida, branca, efeminada, sem apetite, sem calor, os membros pesados, as pernas dormentes, uma extrema fraqueza, enfim, numa palavra, quase que totalmente perdidos (2006, p. 18).
A Igreja Católica propagou essa ideia durante anos e em muitos lugares, ainda, se faz presente como afirma Dias,

[A Igreja Católica] considera a homossexualidade uma verdadeira perversão, uma aberração da natureza. Tem como antinatural, até hoje, a masturbação e o sexo infértil. Qualquer tipo de relação sexual prazerosa é vista como uma transgressão à ordem natural (2000, p. 26).

A Igreja cultua uma série de normas morais, muita por terra já caída ou desconstruídas no ocidente, como o princípio da virgindade, da fidelidade conjugal e o princípio procriador das relações entre pares. Porém, ainda, persistem alguns resquícios da imprudência cristã como todo o seu princípio moralista de punir, repudiar a prática sexual que não fosse marital e procriadora, que é justamente a disseminação do preconceito, da discriminação as relações homossexuais.

O poder que a Igreja exercia sobre o ordenamento político com o avançar do tempo passa a declinar no processo denominado de laicização do Estado, ou seja, fala-se do início do século XVII, do Estado Moderno. Neste momento, observa-se a decadência da influência da Igreja Católica o que resultaria em queda do sentimento de culpa em se ter uma vida sexual pontuada só pelo prazer, a dessacralização do casamento, no qual o Estado passa a oficializá-lo. Mas o maior ganho deu-se no campo da sexualidade, já que “a orientação sexual começou a se caracterizar como uma opção e não como um ilícito ou uma culpa” (CZAJKOWSKI, apud, DIAS, 2000, p. 28).

2.3 A família a partir da conjugalidade homossexual: o movimento LGBT e a luta pelo direito à família
A discussão acerca da constituição da família a partir da conjugalidade homossexual ou homoparentalidade é algo recente dentro das ciências sociais e humanas: “As pesquisas sobre famílias constituídas por gays e lésbicas no Brasil, muito embora estejam apenas iniciando, vem progressivamente conquistando o interesse acadêmico. O momento atual é de mapeamento e constituição de modelos de análise” (TARNOVSKI, 2002.p 01b). O aporte para a produção de conhecimentos sobre a homoparentalidade, como objeto de reflexão acadêmica, pode-se dizer que adveio da incessante busca por visibilidade dos homossexuais por meio de grupos organizados que passaram a reivindicar o “direito a ter direito” (LEFORT apud TELLES, 1994) e mesmo pelo Projeto de Lei Nº 1.151 de 1995 que visa o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo.
O movimento formado por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais contribuiu e vem contribuindo para o aprofundamento teórico e político da questão. As universidades cada vez mais estão se interessando por esta linha de reflexão, mesmo que haja:

A (quase) ausência do debate sobre o gênero nesse campo – ausência essa que parece se ampliar nos últimos anos. A saliência desse fato se deve à presumível proximidade entre os estudos sobre a homossexualidade e as questões do campo feminino em que o conceito de gênero foi mais densamente elaborado (GÓIS, 2003, p.02).
Contudo, salienta-se que o real objetivo dos estudos na contemporaneidade, especificamente a partir da década de 1970, transformou-se ao rejeitar a busca pelas origens ou causas possíveis para homossexualidade, bem como, os malefícios advindos pelas práticas homoeróticas e partiu para a:

Reflexão sobre a construção social dos significados associados a ela e das dificuldades enfrentadas pelos homossexuais na sociedade brasileira. Outrossim, buscou-se também analisar as estratégias individuais e coletivas voltadas à superação da opressão por eles enfrentada (GÓIS, 2003, p. 01).

Com relação a isso, se destaca o debate referente à homoparentalidade que desmistifica o magma solidificado dentro da instituição família associada a valores cristãos e bioconsanguíneos, a qual se associava – e ainda se associa – a “noção de honra, com rígida demarcação de papéis de gênero e controle estrito da conduta feminina” (HEILBORN, 2004, p. 107). Porém, pontuar um debate sobre a conjugalidade homo requer adentrar e analisar o que vem a ser conjugalidade. Além disso, há que se entender que o reconhecimento da conjugalidade entre pessoas do mesmo sexo e seu possível status de família não é uma luta isolada de indivíduos em si só, mas um movimento de um grupo que sofreu e continua a sofrer restrições de direitos civis e sociais ao se assumir com uma orientação sexual divergente da heterossexual.
CAPÍTULO 3 - Adoção por casais homossexuais: um caminho possível?
Nossa sociedade ocidental, ainda, não consegue perceber em toda a sua completude que a homossexualidade é uma das alternativas possíveis no
Campo polimorfo e múltiplo das vivências amorosas humanas, e não uma modalidade nefasta do conjunto das perversidades psicossociais, a luta de gays e lésbicas pelo direito à socialização de crianças continuará a encontrar fortes resistências (MELLO, 1999, p. 107).
As resistências em alguns casos podem ocorrer de modo velado ou manifesto, pois dependerá de como se dará o acesso a parentalidade em se tratando de homossexuais. Para tanto esse tópico será abordado a partir de reflexões de Tarnovski (2002a, 2002b, 2004).
Na guisa das reflexões elaboradas por Tarnovski há quatro possibilidades de um homossexual acessar à parentalidade, a saber:

1)recomposição familiar após uma união heterossexual, 2)coparentalidade, onde a criança é gerada sem que exista um comprometimento conjugal entre o pai e a mãe, 3)adoção e 4)novas tecnologias reprodutivas, quer se trate de inseminação artificial, no caso das lésbicas, ou de barriga de aluguel, no caso dos gays (CADORET apud TARNOVSKI, 2004, p. 388) .
Para cada forma de se acessar a parentalidade há uma singular implicação sobre os aspectos de parentesco. Mas, aqui, tange a crítica sobre a homoparentalidade com cerne na adoção.
Tarnovski (2002a) em pesquisa realizada na região sul da França conseguiu observar duas formas de acesso a por recomposição e por “convite”.
Em minhas pesquisas encontrei basicamente dois tipos de pais, consoante ao modo de estabelecimento da paternidade: de um lado, aqueles que após uma união heterossexual e o nascimento do (a) filho (a) se separaram e se assumiram homossexuais e, de outro, aqueles que, já assumidos, foram convidados a serem pais por mulheres já grávidas. A minha discussão se voltará apenas para os últimos (TARNOVSKI, 2002a, p. 02).
O antropólogo postula que o homem homossexual ao receber o convite para ser pai esse convite se apresenta como uma dádiva, materializada por meio do significado da criança em sua vida. A paternidade torna-se a concretização de um desejo antigo (TARNOVISKI, 2002b). Ele amparado pelos escritos de Fonseca ratifica que essa [homoparentalidade] seria sim, uma representação da família “pós-moderna”, para tanto se utiliza do seguinte escrito:

Seguindo a análise de Claudia Fonseca, os sujeitos desta pesquisa seriam os verdadeiros representantes da família ‘pós-moderna’, com sua ênfase na afeição e na escolha onde:
[...] as crianças adotadas, enquanto filhos ‘escolhidos’ podem ser considerados como, de alguma maneira, mais valiosas do que aquelas que são simplesmente nascidas de seus pais. Da mesma forma, parceiros do mesmo sexo ganharam um espaço importante; se a afeição é a verdadeira base do relacionamento, por que o casal seria limitado a um relacionamento heterossexual centrado em torno da reprodução biológica? (Fonseca, 2001:03)

A ‘opção’ enquanto valor tem sido apontada como uma marca de contextos igualitários modernos (ou pós-modernos), transformando a esfera da reprodução também em uma questão de ‘escolha’ (2002b, p. 50).
Nota-se que mais uma vez o termo “escolha” surge em meio às relações entre pares iguais ressaltando que em sua categoria os avanços da modernidade se fazem presentes, bem como, foi demonstrado em fatores de conjugalidade. Portanto, pode-se afirmar que é uma característica que as escolhas adquirem de alguma forma valor central chegando a circunscrever as relações amorosas, conjugais e parentais dos homossexuais. A “escolha” faz parte de seu processo, porém ser homossexual não é uma escolha, caso se entenda como tal recobraremos o sentido estrito da homossexualidade.
Nesse processo de escolha a paternidade surge com o mecanismo de “adoção à brasileira” (FONSECA, 2006). A “adoção à brasileira” é a forma na qual pais biológicos dão seus filhos a outrem para que cuidem, dêem abrigo, alimentos, carinho e educação, segundo Fonseca. De onde os laços com a família biológica não são desfeitos, no contexto de Fonseca, no entanto, há casos em que tal tipo de adoção implica a dissolução dos laços com a família biológica e o registro ilegal de uma criança por terceiros que fazem se passar por família biológica da criança.

[A adoção à brasileira] É um processo irrevogável (os pais que quiserem voltar atrás têm que reconhecer que cometeram um crime) que integra a criança inteiramente na sua nova família, conferindo-lhe direitos em igualdade com as crianças ‘legítimas’ (FONSECA, 2006, p. 129).

Mesmo que se reconheça que a forma de adoção apontada por Fonseca seja ilegal, no Brasil é algo recorrente, “já que a ‘adoção à brasileira’ continuará a imperar em detrimento da adoção legal” (SZNICK 1993, p. 438), por se considerar o processo de adoção legal demorado e burocrático.

Percebe-se que é permitida a “adoção à brasileira” por homossexual, como uma forma de ser pai, a partir do convite que lhe é feito para que assuma a paternidade de uma criança, com o consentimento da mãe biológica por não ter o pai biológico em virtude de uma possível separação (TARNOVSKI, 2002a, 2002b, 2004). Em sua essência, neste caso, a criança residirá com o homem que aceitou ser seu “pai social” e com o seu companheiro. Entretanto, a situação arrolada pelo princípio da adoção legal seria possível se pensar o mesmo, ou seja, a adoção ocorrendo por (par) gay ou lésbico que coabitará o mesmo espaço com a criança?
3. 1 Ordenamento jurídico sobre a adoção

Tentando trazer os desenvolvimentos anteriores para esta nova pauta de discussão que vem a ser a possibilidade de concessão de adoção em favor dos casais homossexuais, pode-se dizer que não há nenhuma circunstância legal que prive os homossexuais do direito de adotar, uma vez que, para se adotar uma criança ou adolescente no Brasil é necessário “preencher alguns requisitos”, tais como:
• Ser maior de 18 anos, independente de seu estado civil, com exceção das avós ou irmãos de adotando;
• O adotante tem que ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando;

• Tem que oferecer um ambiente familiar adequado ao pleno desenvolvimento da criança ou adolescente, além de outros estabelecidos no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

No Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 – não se encontra nenhum dispositivo legal que negue a adoção por questões referente à etnia, credo, condições físicas, inserção social ou mesmo orientação sexual do adotante, pois a mesma tenta assegurar como princípio fundamental que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, CF 88). Logo, todos são possíveis adotantes, desde que atenda a normativa estabelecida pelo artigo 42 do Estatuto que faz referência a poder adotar os maiores de 18 anos independentes do estado civil . A faculdade de adotar é outorgada tanto ao homem como à mulher, bem como a ambos conjunta ou isoladamente. A capacidade para a adoção não pode ser limitada ao ser heterossexual, já que deve haver um distanciamento entre moral, valores ou qualquer outro condicionante social que possa denegrir a imagem de alguém por questões relacionadas à sua orientação sexual.

Destarte, o fato de uma pessoa se apresentar com orientação sexual dessemelhante da heterossexualidade e requerer para si a adoção de uma criança ou adolescente não pode ser tachado como ilegal, uma vez que, é perfeitamente legal pelas leis que abrange a matéria.

Quando um homossexual masculino ou feminino vem a pleitear a adoção, este não pode sofrer nenhuma ação que caracterize discriminação, pois o que vale é a idoneidade do candidato e a sua capacidade para assumir os encargos decorrentes de uma paternidade/maternidade adotiva, sem ser o centro de discussões a possível orientação sexual dos adotantes (SILVA, 2000).

No Brasil, a adoção legal ou plena, consiste em “um procedimento irrevogável pelo qual a filiação adotiva passa, de direito, a substituir a filiação biológica” (FONSECA, 2006, p. 124), o que não restringe o direito de um homossexual em adotar, haja vista que:
Pela natureza social do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda é mais visível à possibilidade da adoção por homossexuais, pois configura in
Currículo do articulista:

Graduação em Serviço Social. Centro Universitário Anhanguera de São Paulo, Brasil.
Pós- graduando e

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